PEDAGOGIA
HISTÓRICO-CRÍTICA: PROPOSIÇÃO TEÓRICO METODOLÓGICA PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA.
Drª Doracina Aparecida de Castro Araujo
(UEMS)
Resumo
Este artigo é o resultado de uma
pesquisa bibliográfica sobre a Pedagogia Histórico-Crítica, de Dermeval Saviani.
Teve como objetivo analisar a relação dialética prática/teoria/prática que
norteia essa abordagem pedagógica. Os estudos teóricos de Dermeval Saviani
apontam para a necessidade de um contínuo desenvolvimento didático-pedagógico
de sua proposta. Nessa proposta devem ser observadas ciclicamente: a prática
social inicial, a problematização, a instrumentalização, a catarse e a prática
social final.
Palavras-chave: Concepção dialética; formação continuada; Pedagogia
Histórico-Crítica.
Abstract
This article is the result of a bibliographical
research on the Historical-Critical Pedagogy, of Dermeval Saviani. Its
objective was to analyze the dialectic relation practice/theory/practice that
guides this pedagogical boarding. The theoretical studies of Dermeval Saviani
point to the necessity of a continuous didactic-pedagogical development of its
proposal. In this proposal, they must cyclically be observed: the social initial practice, the problems,
the way things are done, catharsis and the final social practice.
Key-words: Dialectic
conception; continued formation; Historical-Critical Pedagogy.
Introdução
Para a Pedagogia Histórico-Crítica, a
educação é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens (DERMEVAL SAVIANI).
Este artigo é
o resultado de um levantamento bibliográfico realizado para a elaboração de uma
proposta de formação continuada para educadores, fundamentada na Pedagogia
Histórico-Crítica. Tem como eixo norteador o estudo da concepção dialética nas
dimensões: histórica, filosófica, educacional, psicológica e social.
A Pedagogia
Histórico-Crítica dá ênfase aos objetivos, conteúdos, procedimentos de ensino e
avaliação, e, por considerá-los uma unidade, indica que não devem ocorrer
supremacia entre eles. Com essa compreensão, busquei trilhar o caminho proposto
por Dermeval Saviani: prática social inicial, problematização,
instrumentalização, catarse e prática social final para organizar as ações da
formação continuada. Poderão ocorrer alterações desta ordem descrita no
decorrer de um trabalho, pois esse processo não é linear, mas sim, cíclico.
Elaborar uma proposta para formação continuada de educadores é um desafio, mas
desafio maior é pensá-la numa abordagem crítica, para profissionais que já vem
atuando há muitos anos numa abordagem humanista ou conservadora.
Entretanto, os
instrumentos de reflexão prática-teoria-prática devem ser utilizados para que a
realidade educacional aparente e costumeira seja superada pelos educadores,
buscando a realidade educacional concreta, compreendida em seus contraditórios
aspectos.
1. Fundamentos teóricos da Pedagogia
Histórico-Crítica
O trabalho de
Saviani vem sendo debatido há várias décadas, por seus seguidores ou críticos.
As discussões iniciais dessa proposta começaram a ser delineadas no livro Escola e Democracia, quando o autor
propõe uma nova teoria crítica da educação. Nessa teoria ele busca respostas à
pergunta: “É possível encarar a escola como uma realidade histórica, isto é,
suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana?” (SAVIANI,
2001, p.30).
A
partir desta questão são procuradas respostas num trabalho em construção, com a
integração, principalmente, de três áreas do conhecimento humano: Filosofia,
Psicologia e Sociologia. Essas três áreas têm contribuído com a educação para
implementar a Pedagogia Histórico-Crítica.
A
Filosofia contribui com as idéias e reflexões sobre a totalidade do processo,
de forma que o mesmo não seja visto apenas como fragmentos, mas, sim, como
totalidade histórica e social. A totalidade histórica e social são pontos
essenciais na corrente do materialismo histórico que tem como representante
maior o filósofo Karl Marx (1818-1883). Essa corrente é considerada a mais
revolucionária do pensamento social e trouxe contribuições relevantes para o
campo teórico, político e econômico. Um dos pontos a se observar é que Marx não
destinou seu trabalho a grupos específicos, singulares; compreendia que sua
missão era maior, pois “[...] sua intenção, porém, não era apenas contribuir
para o desenvolvimento da ciência, mas propor uma ampla transformação política,
econômica e social” (COSTA, 2005, p. 110). Assim, a autora afirma que: “Há um
alcance mais amplo nas suas formulações, que adquiriram dimensões de ideal
revolucionário e ação política efetivas” (Idem).
Como
Marx tinha esse ideal revolucionário, suas idéias tiveram influência em várias
áreas do conhecimento, estando muito vinculado à Sociologia, pois lutava em
prol “[...] de uma nova sociedade em diferentes campos e batalhas, nos quais se
confrontaram diversos grupos sociais desde o século XIX, quando o marxismo se
organiza como corrente política” (COSTA, 2005, p. 111).
Ao
constatar que Marx é o pensador mais mencionado no trabalho de Saviani, é que
percebi que a proposta do educador brasileiro, ultrapassa o trabalho com os
conteúdos de forma crítica, busca a desalienação da população e a superação da
divisão de classes sociais. Assim, Saviani trabalha rumo ao que Marx defendia
que era “[...] denunciar as desigualdades sociais contra a falsa idéia de
igualdade política e jurídica proclamada pelos liberais” (Apud: COSTA, 2005, p.
114).
Saviani
busca em Marx, a base de sua proposta, imbuído da missão de desmascarar ou não
compartilhar com suas diversas manifestações instituídas nas Teorias
Não-Críticas (Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista) e
nas teorias denominadas Crítico-Reprodutivistas (Teoria do Sistema de Ensino
como Violência Simbólica, Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado –
AIE e Teoria da Escola Dualista). Em relação as Crítico-Reprodutivistas seus
defensores “[...] chegam à conclusão de que a função própria da educação
consiste na reprodução da sociedade que ela se insere” (SAVIANI, 2001, p.16).
Saviani
afirma que para as bases teóricas da Pedagogia Histórico-Crítica é fundamental
a contribuição de Marx, pois:
Quando se
pensam os fundamentos teóricos, observa-se que, de um lado, está a questão da
dialética, essa relação do movimento e das transformações; e, de outro, que não
se trata de uma dialética idealista, uma dialética entre os conceitos, de uma
dialética do movimento real. [...] trata-se de uma dialética histórica expressa
no materialismo histórico, que é justamente a concepção que procura compreender
e explicar o todo desse processo, abrangendo desde a forma como são produzidas
as relações sociais e suas condições de existência até a inserção da educação
nesse processo (2003, p.141).
Já
na Psicologia são apresentadas as formas de se compreender o sujeito e seu
desenvolvimento no processo ensino/aprendizagem, a partir da concepção teórica
de Vygotsky. Este teórico contribuiu com seus estudos ao incluir no processo
ensino/aprendizagem três elementos essenciais: aquele que aprende, aquele que
ensina e a relação entre essas pessoas. Assim, na concepção de Vygotsky, que
tem sido utilizada por grupos de estudos que desenvolvem a Pedagogia
Histórico-Crítica:
[...] para
compreender adequadamente o desenvolvimento devemos considerar não apenas o
nível de desenvolvimento real da criança, mas também seu nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade de
desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes
(Apud: OLIVEIRA, 1997, p.59, grifos da autora.).
Entre
os níveis de desenvolvimento real e o potencial, é que está inserida a zona de
desenvolvimento proximal, que conforme Vygotsky é a:
[...]
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. [...]. A zona de
desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas
que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão
presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de
brotos ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento
(Apud: OLIVEIRA, 1997, p. 60).
Essa
breve discussão sobre os níveis de desenvolvimento defendidos por Vygotsky visa
a ampliação da compreensão sobre a teoria de Saviani, pois os estudos
realizados a partir desses pressupostos são fundamentais à totalidade da
Pedagogia Histórico-Crítica.
[...]
entende-se que procurar destacar as preocupações centrais da psicologia
histórico-cultural com a educação é uma tarefa que permite, quase que de
imediato, o reconhecimento do corpo teórico que a fundamenta como vertente
psicológica. Considera-se que isso seja atribuído ao grau de familiaridade
existente entre a tentativa de formulação de uma teoria marxista da mente e sua
constituição como teoria psicológica que analisa, descreve e explica a atividade
psicológica humana no contexto do desenvolvimento da história social da
humanidade (SCALCON, 2002, p. 113).
As
áreas de Filosofia, Sociologia e Psicologia entrelaçadas a outras (histórica,
política, econômica, científica, entre outras áreas) colaboraram diretamente
para a ampliação da compreensão do processo educacional, em todas as suas
dimensões.
Assim,
Saviani propôs a Pedagogia Histórico-Crítica visando à unidade de seus
oponentes, ou seja, apresenta os resultados de uma discussão dialética que envolveu
as teorias não-críticas, em todos os seus âmbitos e categorias.
Para
concluir, retorno a epígrafe do início deste artigo, em que Saviani afirma que
o trabalho educativo “[...] é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens” (2003, p. 13), ou seja, deve-se identificar os
elementos culturais que precisam ser assimilados, distinguindo entre o
essencial e o acidental, o principal e o secundário, o fundamental e o
acessório, observando a organização dos meios, por meio dos quais,
progressivamente, cada indivíduo singular compreenda a humanidade produzida
historicamente (SAVIANI, 2003, p.13-14).
Conhecendo
os teóricos que fundamentam a proposta de Saviani é possível afirmar que ele
visa dar aos educadores progressistas uma nova perspectiva, ou seja, uma
educação que atenda aos interesses da maioria, que vêm sendo explorada ao longo
dos períodos da história brasileira.
2. Estrutura e
organização da proposta de trabalho
Para
elaborar a proposta de trabalho da formação continuada, parti do princípio de
que era necessário que os professores tivessem um conhecimento prévio das
teorias de Marx e Vygotsky, pois é com essa aproximação entre uma tendência
filosófica, uma sociológica e uma
psicológica que se inicia a compreensão da proposta de Saviani.
Outra
questão relevante é o planejamento, pois quem pretende trabalhar a partir do
norteamento da Pedagogia Histórico-Crítica precisa compreender que o planejar e
o replanejar devem ser uma constante em sua prática educacional.
Esse
planejamento precisa, preferencialmente, ser elaborado coletivamente, para um
maior enriquecimento das proposições teóricas, ampliando a discussão sobre as
dimensões a serem trabalhadas. É necessário que se observe esse plano a partir
de seus dados de identificação, pois todas as suas etapas são complementares.
Na organização inicial do plano, o professor deve inserir os dados de
identificação, quais sejam: a instituição a que se destina a proposta, a
disciplina que ministra, a série que irá realizar a proposta
didático-pedagógica, a carga horária necessária para a execução do plano, assim
como o nome do professor. Nesta primeira parte do plano o professor não pode
esquecer de definir seus objetivos, tanto os gerais quanto os específicos.
Na
definição dos objetivos deve ser observada a proposta político-pedagógica da
escola, pois é um instrumento de elaboração coletiva, realizada pelos membros
da escola e que não deve ser deixado de lado, pois é nesse documento que a
escola define os princípios que irão nortear todo o trabalho da escola, assim
como, o perfil do aluno que pretende formar, ou seja, para não ser incoerente
com o que foi elaborado coletivamente por todos os segmentos internos e
externos da comunidade escolar.
Após
essa definição inicial é necessário que o professor para organizar seu
trabalho, faça um estudo detalhado de todos os passos do processo, pois se ele
não dominar o todo, estará rumo a uma nova proposta eclética, aquela em que o
professor por falta de domínio teórico não discute, apenas copia. É
extremamente importante que o professor compreenda que todas as etapas são
permeadas por discussões coletivas.
3. Proposição da Pedagogia
Histórico-Crítica
Uma proposta
pedagógica derivada da teoria dialética do conhecimento deve ser assumida
enquanto totalidade, ou seja, trabalhada com conhecimentos técnicos,
científicos e políticos em prol da criação de uma sociedade comprometida com a
emancipação econômica, política e social de sua coletividade.
Assim, para
que um professor proponha um trabalho com base na teoria de Saviani, antes, é
necessário que ele tenha domínio do assunto que irá trabalhar, ou seja, não é
suficiente que o professor domine as teorias que norteiam essa Pedagogia, mas,
que domine todo o processo histórico, econômico, educacional e social. Esse
todo se relaciona com o conhecimento da realidade circundante do aluno, a
verificação do conhecimento real do aluno, o trabalho na zona proximal do desenvolvimento,
visando sempre à potencialidade do aluno, pois todos têm o seu potencial, mesmo
que em um primeiro momento apresentem limitações, cabendo ao professor,
enquanto mediador, explorar esse potencial, trabalhando na zona de
desenvolvimento proximal do aluno.
Assim
será possível ao professor chegar a prática social final que o remeterá a uma
nova prática social inicial, pois essa proposta de Saviani é um processo
contínuo, cíclico, que não se encerra.
3.1
Prática Social Inicial
Não
é possível realizar a prática social inicial em sala de aula com os alunos sem
argumentação para enriquecer as discussões, entre professor/alunos. É relevante
que se trabalhe o conhecimento real do aluno, mas não deve esquecer que ao
professor também é essencial esse trabalho, pois não é possível ensinar o que
não sabe.
A
prática social inicial implica em conhecer a experiência de cada aluno, sua
memória e seu saber prático. Entretanto, é imprescindível que o aluno busque
romper com a forma de pensamento e ação próprios do cotidiano.
Uma
das formas para promover a ruptura com a forma de pensamento apreendido no
cotidiano é levar o aluno a se apropriar cada vez mais do saber acumulado
historicamente, especialmente dos conceitos científicos e das formas artísticas
de apreender a realidade.
Para
João Luiz Gasparin (2005), o conteúdo é parte essencial nesse processo, que
deve ser iniciado em forma de diálogo com os alunos, para se verificar o
domínio que já possuem e que uso faz dele na prática social cotidiana. “Esse diálogo
também torna mais claro ao professor o grau de compreensão que ele já detém
sobre o assunto, o que evidencia seu patamar de sistematização mais elevado que
o dos alunos” (2005, p.23).
Com
a sistematização mais elevada sobre o assunto a ser trabalhado, o professor
anuncia os conteúdos, explicitando os objetivos da aprendizagem. É oportunizado
aos alunos a ampliação de seus conhecimentos, a partir do momento em que o
professor informa quais tópicos e subtópicos serão abordados na próxima aula,
tirando a surpresa sobre o que será trabalhado e favorecendo aos educandos
assumirem o encaminhamento do processo pedagógico.
O
educador deve se voltar para a vivência que o educando tem do conteúdo, mesmo
que no senso comum. Esse é o momento que o professor mobiliza, incentiva os
alunos para a construção do conhecimento. Posterior a esse trabalho de sondagem
e incentivo, o professor busca verificar o que os alunos querem saber mais a
respeito do conteúdo. Cabe ao professor instigá-los, mostrar-lhes alternativas,
e buscar um conhecimento maior sobre o conteúdo, pois se o aluno tiver a
intenção de saber mais, o professor terá a missão de se aprofundar mais sobre o
assunto. Para Gasparin: “Este é o momento em que, a partir da realidade
vivenciada, os alunos desafiam a si mesmos e ao professor a irem além do
proposto, do conhecido, do programado” (2005, p.26).
Assim,
cabe ao educador o trabalho de proporcionar ao educando a quebra da apatia,
participando de seu processo de construção de forma curiosa, participante e ativa.
Dessa forma ele, o professor, poderá dar continuidade ao processo de forma
segura e consciente de como os alunos estão frente ao conteúdo que ele irá
problematizar.
3.2 Problematização
Todos
e cada um de nós nos descobrimos existindo no mundo (existência que é agir,
sentir e pensar). Tal existência transcorre naturalmente, espontaneamente, até
que algo interrompe o seu curso, interfere no processo alterando a sua
seqüência natural. Aí, então, o homem é levado, é obrigado mesmo, a se deter e
examinar, procurar descobrir o que é esse algo. E é a partir desse momento que
ele começa a filosofar. O ponto de partida da filosofia é, pois esse algo a que
damos o nome de problema (SAVIANI, 1985, p. 17).
Para
superar os problemas na aprendizagem é necessário que o professor se aproprie e
crie instrumentos de trabalho (procedimentos, técnicas, materiais didáticos) e,
ao mesmo tempo, desenvolva um discurso significativo, fundamentado
teoricamente, que possibilite compreender esses problemas e reorientar a prática
no sentido da superação deles.
A
discussão sobre questões importantes inerentes ao conteúdo e o encaminhamento
dessas discussões pelo professor devem ser realizadas de forma coletiva, com
reflexões ao longo de todo o processo. É necessário que o educador faça a
apresentação do conteúdo, sua transposição para a realidade, discutindo as suas
múltiplas faces (dimensões) a serem exploradas.
São
muitas as dimensões que podem ser exploradas no processo de
ensino/aprendizagem: histórica, social, conceitual, econômica, religiosa,
política, estética. É importante que o educador não se feche sempre nas mesmas
dimensões, pois isso se tornaria empobrecedor à proposta. É evidente que
algumas dimensões são mais usuais, como a conceitual, a social e a histórica, não
que elas sejam mais relevantes, mas que, normalmente, enriquecem o trabalho em
todos os conteúdos.
João
Luiz Gasparin afirma que a problematização “[...] é um elemento-chave na
transição entre a prática e a teoria, isto é, entre o fazer cotidiano e a cultura
elaborada. É o momento que se inicia o trabalho com o conteúdo sistematizado”
(2005, p.35). Destarte, é o momento de buscar respostas que encaminhem para a
resolução dos problemas, em suas múltiplas dimensões. Assim, é chegado o
momento de se trabalhar a instrumentalização.
3.3 Instrumentalização
A
instrumentalização é a decisão por materiais didáticos; pela criação de novos
procedimentos para transmissão de conteúdos acumulados historicamente; pela
escolha de textos para fundamentação teórica que exige do professor a busca por
novos conhecimentos (mediação do professor na assimilação dos conteúdos pelos
alunos).
A
instrumentalização consiste em levar o aluno a elaborar seus próprios
instrumentos e seu discurso, pela apropriação dos conhecimentos já produzidos,
ou seja, acumulados historicamente. Suze Gomes Scalcon destaca que a
instrumentalização é a “[...] apropriação das ferramentas culturais e
científicas (conhecimentos) explicativas da realidade e de seus problemas,
direcionando o trabalho pedagógico para a indicação mediata e imediata das
estratégias para sua apropriação” (2003, p. 135).
Os
conteúdos devem ser trabalhados de forma sistemática e constante, para que
sejam incorporados ao pensamento e à ação do aluno. Assim ocorrida a apropriação,
busca-se trabalhar o próximo passo, que é a catarse, que juntamente com a
problematização e a instrumentalização já fazem parte da base teórica.
3.4 Catarse
Esse
momento no processo é o que precede a assimilação subjetiva da estrutura da
realidade, ou seja, a autoconsciência do aluno, o que Gramsci compreende como
“[...] a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos
homens” (1984, p. 53).
São
formas de pensar e agir produzidas histórica e socialmente, que se incorporam
de tal maneira na estrutura psíquica do indivíduo que as utiliza, que aparecem
como formas naturais, mas que na verdade resultam de um longo processo
educativo. O aluno deve percorrer de forma abstrata o caminho que trilhou para
verificar se ocorreu a aprendizagem, devendo ser o sujeito principal de sua
formação. O professor é o mediador no processo de ensinar/aprender.
A
catarse ocorre no momento em que o aluno faz sua síntese mental, ou seja, que
ele demonstra que assimilou o conteúdo trabalhado, expressando sua compreensão
por meio de dissertação sobre o tema, demonstrando as dimensões trabalhadas, o
que pode ocorrer numa prova escrita, num debate sobre o tema, entre outras
formas.
É
observado pelo educador que o aluno apreendeu o trabalhado de forma reflexiva,
consciente, que consegue transpor o apreendido para outras situações, chegando
assim, à prática social final.
3.5 Prática Social Final
Para
Saviani (2001), a prática social inicial e a prática social final é e não é a
mesma. É a mesma no sentido de que não se consegue uma transformação das
condições sociais objetivas da escola e muito menos da sociedade como um todo.
Mas não é a mesma a partir do momento em que houve uma transformação do
educador e do educando nesse processo, refletindo em outras instâncias da
sociedade.
É
possível verificar se o aluno chegou nessa etapa por meio de suas intenções e
ações, pois o assimilado será convertido em ações práticas do educando, que
também contagiam o conhecer, o fazer e o ser do educador.
4. Considerações finais
Considero
necessário me reportar à questão levantada por Saviani, que discuto no início
deste artigo: É possível encarar a escola como uma realidade histórica, isto é,
suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana?
É
possível, a partir do momento que educadores progressistas resolverem reverter
o que está posto há anos na educação brasileira, reconhecendo que a educação
sistemática tem trilhado o caminho inverso da transformação social, pois não é
considerada enquanto uma realidade histórica, mas sim como momentos históricos
delineados por políticas circunstanciais, desconsiderando o que já se fez,
buscando sempre iniciar um governo com propostas “inovadoras”, que possam dar
visibilidade política a seus idealizadores.
Destarte,
é relevante que se compreenda que a Pedagogia Histórico-Crítica vem sendo
elaborada progressivamente por educadores que pensam a educação de forma
crítica, transformadora, e que aponta para possibilidades de que no coletivo
possam se encontrar alternativas para sua efetivação. Esse trabalho coletivo
pode ocorrer nos cursos de formação continuada e inicial, mas é importante que
se inicie, antes que não possamos mais discutir em prol de uma educação de
qualidade para uma maioria populacional que é minoria nas decisões do país.
Assim, concluí
que uma Pedagogia Histórico-Crítica só terá êxitos a partir do comprometimento
dos educadores. Comprometimento que deve ocorrer já nos cursos de formação
inicial e que se estende ao longo de toda sua carreira profissional, pois
educador que não busca alternativas, desafios para o seu trabalho, não poderá
fazer parte de um grupo seleto que acredita e luta por uma educação para a
superação das injustiças sociais, o grupo de educadores progressistas, do qual
Dermeval Saviani é um dos precursores no Brasil.
Referências
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introdução à ciência da sociedade. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005.
GASPARIN, J. L. Uma
didática para a pedagogia histórico-crítica. 3. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2005.
GRAMSCI, A. Concepção
dialética da História. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky:
aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione, 1997. (Pensamento e ação no magistério).
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______. Escola e
democracia. 34. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
______. Pedagogia
Histórico-Crítica. 8. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
SCALCON, S. À procura
da unidade psicopedagógica: articulando a psicologia histórico-cultural com
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______. A teoria na
prática e a prática na teoria: uma experiência histórico-crítica. 202 p.
Tese (Doutorado em educação) – Universidade Estadual
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